quinta-feira, 23 de março de 2023

Ocultações Asteroidais



Entre as órbitas dos planetas Marte e Júpiter, encontra-se o Cinturão de Asteroides, região do sistema solar onde orbitam centenas de milhares de rochas de variados tamanhos, sendo a maior delas o planeta-anão Ceres, com 940 km de diâmetro.  Ceres foi descoberto em 1º de janeiro de 1801 pelo astrônomo italiano Giuseppe Piazzi.  

Em seu momento de maior aproximação da Terra, Ceres chega à 7a. magnitude . Outros grandes asteroides, como Pallas, Vesta, Juno, também são acessíveis à observação por pequenos instrumentos quando estão em oposição.

Em seu movimento de translação ao redor do Sol, um asteroide percorre área do céu ao longo da eclíptica, assim como os outros planetas do sistema solar, a Lua e o nosso astro-rei. 

À medida que os asteroides realizem seu movimento ao longo do céu, gradativamente, noite após noite, é de se esperar que estes astros rochosos, ocasionalmente, passem 'na frente' de alguma estrela. 

Nestas ocasiões, ocorre o que chamamos de ocultação asteroidal. Podemos dizer que ocorre um eclipse de uma estrela provocado por um asteroide.

Como as estrelas têm um diâmetro angular no céu inexpressivo, e igualmente os asteroides também têm o tamanho de seus discos irrelevante à distância em que estão, é de se concluir que esses eventos sejam pouco comuns. 

Existem, claro, muito mais estrelas fracas no céu do que estrelas brilhantes. Como as circunstâncias para que um asteroide passe exatamente 'na frente' de uma estrela são muito específicas, é de se esperar que a probabilidade de uma ocultação asteroidal ocorrer com uma estrela de brilho fraco seja maior do que com uma estrela brilhante. Também é igualmente muito raro um asteroide brilhante passar exatamente na frente de uma estrela brilhante.  

Assim como os eclipses totais do Sol só são vistos a partir de determinada faixa muito estreita da Terra, as ocultações asteroidais também só são vistas nas mesmas condições. Durante um eclipse total do Sol o que veríamos, se estivéssemos 'do alto', seria a sombra da Lua percorrendo o solo, no sentido leste-oeste. 

Nas ocultações asteroidais o que veríamos 'do alto' seria a sombra do asteroide percorrendo o terreno. Assim é que a faixa de visibilidade, em largura, da sombra do asteroide, é quase igual ao seu diâmetro. Essa sombra percorrerá a Terra e quem estiver naquela posição poderá ver a ocultação. 

Anualmente ocorrem milhares de ocultações asteroidais, cada uma visível apenas de determinadas regiões na Terra. Existem muito poucas ocultações asteroidais envolvendo estrelas brilhantes e raríssimas de estrelas visíveis a olho-nu. 


Curiosidade: em 11/12 de dezembro de 2023 o asteroide 319 Leona ocultará Betelgeuse. A trajetória da sombra passará por Miami, entre outros lugares, desde o México, sul da Europa e Ásia. A duração máxima será de 11,6 segundos. É uma ocasião rara, em que uma ocultação envolvendo uma estrela muito brilhante possa ser vista de centros populosos.



Proporcionalmente, a maioria das ocultações asteroidais envolve asteroides de brilho fraco e estrelas pouco brilhantes.  Essa é uma espécie de 'vantagem' para o observador. Sendo o asteroide muito menos brilhante que a estrela, o fenômeno da ocultação se resumirá no desaparecimento da estrela, por alguns segundos e o seu posterior reaparecimento. Na maioria das ocultações não se vê o asteroide. 

Quando o asteroide tem o mesmo brilho da estrela, ou próximo, a ocultação é mais difícil de ser registrada. 

O trabalho do observador de uma ocultação asteroidal será, portanto, verificar se ocorre a ocultação e sua duração. 

Atualmente as predições de ocultações estelares estão muito precisas, graças principalmente ao observatório espacial Gaia.


O observatório espacial Gaia (ESA) foi lançado em 2013 e ficará operacional até 2025. Sua função é medir com precisão a posição, distância e movimentos próprios de milhões de estrelas, e posições de exoplanetas. Para obter tal precisão mede cerca de 70 vezes cada objeto



Predições

A página na web de Steve Preston oferece as predições de todas as ocultações asteroidais para o ano, incluindo estrelas até 12a e 13a magnitude, ou  mais fracas, quando envolvem asteroides de especial interesse ou objetos trans-netunianos.

http://www.poyntsource.com/New/Global.htm

Nessa página pode-se consultar não só as ocultações do ano, mas também as do ano seguinte. Ali são fornecidas  informações fundamentais para se programar a observação: data e hora do evento, nome do asteroide e da estrela e seus brilhos, duração prevista da ocultação, trajetória da sombra, além de outros dados adicionais. 


 O mapa acima mostra a trajetória da sombra do asteroide e a faixa de visibilidade da ocultação.         Observadores situados entre as linhas azuis têm grande possibilidade de ver a ocultação. 


Como as predições estão ordenadas apenas por data, será necessário fazer uma busca, uma a uma, para verificar se ocorre um evento próximo ao seu posto de observação. Podem ser eliminadas logo aquelas que não estão no seu fuso horário ou que envolvem estrelas além de seu limite instrumental.

Existe a opção de instalar em seu computador o programa Occult V4, dedicado às previsões de ocultações lunares e também de asteroides. No youtube certamente encontrará um tutorial sobre como lidar com esse programa. (O Paulo Cacella tem um vídeo sobre esse tema).


Occult V4 pode ser  utilizado para predições de ocultações lunares e asteroidais. Pode ser baixado gratuitamente.  (http://www.lunar-occultations.com/iota/occult4.htm)


A IOTA disponibiliza  um tutorial (em inglês)  com todas as informações  úteis para seu uso.
(https://occultations.org/documents/OccultTutorial.pdf)


Uma opção também é instalar o programa Occult Watcher. Ele informará ao usuário as ocultações vindouras para seu local, bem como fornecerá todas as informações necessárias para sua observação, além de conectar todos os seus usuários, de tal forma que todos sabem quem estará se programando para observar esta ou aquela ocultação


Occult Watcher
(https://www.occultwatcher.net/)

Embora sua configuração seja simples, um tutorial para sua configuração pode ser obtido nessse link:
(http://tnorecon.net/participant-resources/equipment/recon-guides/setting-up-occult-watcher/)


Valor científico

O registro preciso de uma ocultação asteroidal pode fornecer dados úteis tanto sobre o asteroide como também sobre a estrela. 

Geralmente, a ocultação acontece em duas fases: o desaparecimento e o reaparecimento da estrela. A medida precisa do tempo em que a estrela esteve ocultada fornece uma 'corda'. Se outros observadores estiverem situados no sentido norte-sul dentro da faixa de visibilidade, mais cordas serão obtidas e poderão fornecer um modelo da forma do asteroide naquela perspectiva.


Em 19 de julho de 2011, durante a ocultação da estrela LQ Aquarii pelo asteroide 90 Antiope,  mais de 50 observações permitiram construir uma silhueta do corpo rochoso, revelando sua natureza dupla. 



Uma observação bem sucedida também oferece uma oportunidade de se comparar os dados obtidos com a previsão para o evento, avaliando-se assim sua precisão. 

Um vídeo da ocultação poderá revelar se o desaparecimento ou reaparecimento da estrela foi gradual ou instantâneo. Em alguns casos, pode revelar a existência de uma companheira da estrela até então desconhecida.

Atualmente é sabido que dezenas de asteroides possuem satélites ou mesmo alguns que são duplos. Essa natureza, de muitos asteroides, foi descoberta graças às observações de ocultações asteroidais.

Técnicas de Observação

Um ocultação asteroidal pode ser feita visualmente ou gravada com uma câmera de vídeo. Também pode ser fotografada pelo método drift scan (trilha).

Não é finalidade desse blog descrever cada um desses métodos, pois o manual de Ocultações da IOTA (International Occultation Timing Association) os aborda com bastante precisão. Ele pode ser obtido através desse link: 

http://www.poyntsource.com/IOTAmanual/IOTA_Observers_Manual_all_pages.pdf

Resumidamente, eis as seguintes formas de observar uma ocultação asteroidal:

1. Visualmente

Dependendo do brilho da estrela a ser ocultada, pode ser utilizado um binóculo ou telescópio. 

É preciso se ressaltar que o ideal é que os momentos do desaparecimento e reaparecimento da estrela sejam registrados fazendo uso de sinais horários precisos. O programa BeeperSync (http://www.hristopavlov.net/BeeperSync/) emite sinais sonoros a cada segundo e é ajustado precisamente a intervalos regulares. Ele pode ser instalado em um notebook, que ficará funcionando enquanto se observa a ocultação.


O programa BeeperSync é gratuito. Instalado no notebook, emite sinais sonoros a cada segundo e tem a precisão necessária para referenciar as ocultações



O observador deve ter um gravador à mão (muitos smarthphones tem gravador) onde ele registrará através de um sinal oral os momentos de desaparecimento e reaparecimento da estrela. Assim, se vinculam esses momentos a um sinal horário preciso. Alguns observadores ainda usam esse método, que se for feito com cuidado é ainda útil.

2. Por vídeo

Esse é o método mais recomendado. 

É necessária uma câmera de vídeo analógica que tenha uma sensibilidade luminosa maior, de tal forma que estrelas mais fracas sejam capturadas. A Samsung SCB2000 é uma câmera muito boa para essa finalidade e consegue pegar estrelas até 12a. magnitude, se acoplada a um instrumento de 150mm de abertura.  

Samsung SCB2000 pode ser encontrada usada ou seminova nos mercados de usados, precavendo-se dos hotpixels, se já tiver muito uso. Retirando o filtro embutido, ela se mostra extremamente eficiente, chegando à 12a. magnitude com um instrumento de 127mm de abertura. 



As câmeras Run Cam Night Eagle também são bem sensíveis e tem preço mais acessível, além de serem bem compactas e leves. Mas esquentam um pouco...


 
       Câmera Run Cam Night Eagle 3 foi desenvolvida com a ajuda da IOTA para ocultações



É preciso  uma placa de captura de vídeo (easycap) para poder gravar o vídeo em um notebook. O manual da IOTA tem um capítulo inteiro sobre o tema. As easycaps precisam do drive certo para funcionar, o que é um complicador pois existem fabricantes diferentes de 'easycaps'. O autor desse blog usa uma placa portátil Dazzle, da Pinnacle, que atende perfeitamente.

Placa de captura Dazzle, da Pinnacle, converte o sinal de analógico para digital, podendo gravar no computador os vídeos.



3. Por foto (drift scan/trilha)

A câmera fotográfica com uma boa teleobjetiva ou acoplada ao telescópio, fotografa , no modo 'B', enquanto se desenrola a ocultação. A câmera está fixa e imóvel bem como o instrumento, com o motor desligado. A estrela formará uma trilha no frame, de tal forma que durante ocultação ela se apresentará interrompida. 



Ocultação de uma estrela de mag. 10.5 pelo asteroide 270 Anahita, obtida pelo método drift scan. (David Trowbridge)

É preciso uma trilha de bom tamanho para ter um resultado satisfatório. Sendo assim, a distância focal deve ser bem calculada a fim de proporcionar uma trilha de bom tamanho, estando contida dentro do frame ao longo de toda exposição.  Um bom manual sobre esse método pode ser obtido aqui: https://adsabs.harvard.edu/pdf/2012SASS...31..191H

4. Por câmera dedicada

Existem muitas câmeras digitais dedicadas à fotografia de objetos celestes. Acopladas ao telescópio, produzem fotografias extraordinárias de nebulosas, galáxias e  planetas com a ajuda posterior de processamento de imagens por empilhamento. 

Entretanto, aqui queremos um vídeo, ou uma sucessão de fotos que registrem o momento da ocultação, com o maior número de frames possível. É matéria para o interessado, que conhece seu equipamento, avaliar quantos frames por segundo conseguirá pegar a estrela a ser ocultada, com a exposição necessária para tal fim. Algumas ocultações duram apenas 1 segundo. Sendo assim, pelo menos uma taxa de 5 frames por segundo seria o mínimo para algum resultado satisfatório. Com o motor do telescópio desligado, um drift scam pode também ser feito.

Links úteis:

International Occultation Timing Association - IOTA
https://occultations.org/

Predições de Ocultações-  Steve Preston
http://www.poyntsource.com/New/

BeeperSync - Histo Pavlov
http://www.hristopavlov.net/BeeperSync/

Occult Watcher 5.0
https://www.occultwatcher.net/





2 comentários:

                                                                            A ocultação de  TYC 6704-01353-1 (mag. 7.7) pelo asteroide (2586...